O Brasil teve registradas 43.908 mortes em acidentes rodoviários em 2010, 14% a mais que no ano anterior (38.469 mortes) e 40% a mais que 10 anos antes (1). Esta estatística não leva em conta feridos (cerca de 180 mil) que vieram a morrer no hospital. A taxa de mortalidade em acidentes na estrada no Brasil é de cerca de 23 mortes por 100.000 habitantes (2), o que coloca o país entre os 60 piores países no ranking de mortes nas estradas (3). É um valor equivalente ao número de mortes por arma de fogo no país. Algumas fontes comparam mortes no trânsito no Brasil com os números de uma guerra(4). A diferença entre grandes tragédias e acidentes de trânsito é que um apresenta a conta à vista, o outro é parcelado. Os primeiros causam grande comoção porque as pessoas morrem em um mesmo evento. No trânsito, isso ocorre distribuído no tempo e no território o que faz com que nos acostumemos com as notícias. Observando os números, fica claro que temos de eliminar este problema em nossa sociedade.
Quais as causas do elevado número de vítimas de acidente de trânsito no Brasil? Para ajudar a responder a questão montei o gráfico abaixo. Veja que a variável frota (número de veículos) tem uma grande correlação (explica bem do ponto de vista estatístico, R²=0,90) o aumento de acidentes nas estradas.
A principal causa de mortes nas estradas do Brasil
01 de março de 2013
Fonte:
Mortos: DATASUS (1) e Vias-Seguras (5)
Frota: DENATRAN (6)
Malha viária: DNIT/PNV (7)
Não é apenas uma correlação, pois é fácil de entender a relação de causa-e-efeito: quanto mais veículos na rua, maior a probabilidade deles se encontrarem. Veja que a nossa frota aumentou de 24 para 65 milhões de veículos de 1998 a 2010 (aumento de 166%). O número de mortes no trânsito aumentou em 42% no mesmo período. Em contra-partida, a malha rodoviária cresceu apenas 4% nos últimos 15 anos.
Seria natural pensar que, se nossa frota tivesse quadruplicado no período, a situação seria muito pior. Vamos a uma comparação: a frota americana em 2009 era de 246 milhões de veículos, mais de 4 vezes a nossa na época. Ainda assim, naquele ano, ocorreram menos mortes no trânsito nos EUA do que no Brasil. Foram 33.808 mortes (considerando até 30 dias do acidente), o que não chega a orgulhar o povo americano (8). Chegamos neste número ainda em 2004, quando nossa frota era de pouco mais de 36 milhões de veículos. Então, qual a principal diferença? O americano dirige melhor? Não acredito. Os carros deles são mais seguros. Sim, um pouco, mas os carros vendidos acima de 50 mil reais no Brasil são os mesmos que os que rodam nos EUA. O povo é sim mais educado que o nosso, mas também bebe (e que nem gente grande), tem pressa, sofre de estresse, toma remédios (em grandes quantidades) e se distrai no volante. Para estes, há fiscalização e, quando for o caso, punição, o que diverge da cultura brasileira. Há, no entanto, mais uma diferença, em um quesito fundamental, que é sem dúvida, o que faz a diferença: infraestrutura rodoviária.
Acho válida a comparação com os Estados Unidos por ser um país de dimensão territorial equivalente ao nosso, com costumes de uso do automóvel similares (guardadas as proporções) e cuja matriz de transporte também está baseada no modal rodoviário. Nos EUA, estão a disposição da população cerca de 4.7 milhões de km de estradas pavimentadas. Para fins de comparação, isso representa cerca de 52 veículos por km de estrada existente no país. O numero de mortes nas estradas nos Estados Unidos está estabilizado (em descenso, às vezes) há anos, bem como a frota e a infraestrutura disponível, e não é mera coincidência. Lá, mesmo as estradas ligando municípios do interior tem pista dupla com canteiro central e a condição do asfalto e sinalização são, em geral, ótimos. Aliás, pista simples pavimentada é um conceito difícil do americano entender. Isso não existem em estradas federais e estaduais (em uma analogia com as nossas), apenas em vicinais. Estradas duplicadas com canteiro central tornam virtualmente impossível uma colisão frontal. A colisão frontal é de longe o acidente rodoviário mais letal.
No Brasil, a frota atual de 70 milhões de veículos (em 2011) pode se deslocar por cerca de 192 mil km de rodovias (364 veículos/km de estrada). Destas rodovias, APENAS 4% são duplicadas (85% de nossas estradas não são nem pavimentadas) (7). E o estado do pavimento e da sinalização, em geral, está muito aquém do razoável. Nas estradas por que andei no Texas, Louisiana e Flórida, não há um só núcleo urbano ou centro comercial que não tenha uma passagem inferior ou viaduto de acesso. No Brasil, um viaduto é uma obra que necessita da conjunção de uma série de astros para ocorrer. Por estes motivos todos conhecemos algum amigo ou parente que morreu na estrada.
E como se fabrica veículos em uma velocidade bem maior do que se constroem estradas, a situação deve piorar. Segundo a revista The Economist, na matéria "The road foresaken", o governo brasileiro anuncia investimentos de cerca de 80 bilhões de dólares, cerca de 1% do PIB, por ano. A revista estima que seria necessário de 6 a 8% do PIB anualmente para alcançar o nível de infraestrutura da Coréia do Sul em 20 anos e 4% para alcançar o Chile (9).
Porque devemos investir prioritariamente em infraestrutura no Brasil? Imagine em que frente o investimento de 1 U$ trará mais retorno (menos acidentes e mortes):
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educação;
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fiscalização;
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segurança veicular;
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infraestrutura rodoviária;
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saúde (atendimento de emergência).
Estes cinco itens são os pilares do "Plano nacional de redução de acidentes e segurança viária para a década 2011 - 2020", do Ministério da Cidades (10). O último item, sem dúvida, é o de menor benefício/custo. É uma ação de remediação, uma vez que já existem vítimas. Assim, não é a melhor opção. Quanto a segurança veicular, os automóveis são cada vez mais seguros e nossa frota está renovando com velocidade (já tem menos de 9 anos em média). Ainda, os investimentos nesta componente ocorrem naturalmente seguindo uma tendência mundial. Educação e fiscalização sempre devem existir, mas são medidas de longo prazo e a efetividade do recurso gasto com estas componentes é baixa quando há um grave problema de infraestrutura que se sobrepõe aos demais e atenua as ações complementares de melhoria. Note no gráfico acima que a vigência da LF 11705/08 (Lei Seca) não freou o aumento de mortes. Já o CTB, que estabeleceu o marco regulatório e o uso obrigatório do cinto de segurança, sim (não aparece no gráfico mas as mortes antes do CTB eram mais de 35 mil/ano). A campanha para uso do cinto no final da década de 90 foi bastante efetiva, ou seja, dinheiro público bem empregado. Demos um salto de qualidade nesta componente, enquanto que a infraestrutura continuou estagnada.
Não encontrei um estudo sobre isso, mas arrisco uma estimativa de quanto cada componente impacta no objetivo (redução de acidentes e mortes) no atual cenário brasileiro: novas estradas (50%), duplicação e sinalização de estradas existentes (35%), fiscalização, educação e saúde (7%), segurança veicular (5%). Restaria ainda uns 3% de acidentes não solucionados, que poderíamos chamar de fatalidades. Nestes, nossa capacidade de previsão seria deficiente e/ou o custo da prevenção seria muito alto. Por onde começar: o melhor benefício/custo é o com sinalização, vertical e horizontal. Um país como os Estados Unidos, que já tem os carros mais seguros e estradas excelentes, tem como a principal objeto de investimento a fiscalização e a educação do motorista. É nisso que o U$ 1 investido terá maior efetividade. Nós precisamos, no mínimo, de todas estradas interestaduais e de escoamento de produção duplicadas e bem mantidas.
A campanha publicitária que prega que estamos morrendo no trânsito porque não somos educados, conscientes dos perigos da estrada, em uma primeira análise pode parecer uma excelente iniciativa. As campanhas, inclusive, têm sido bastante elaboradas e com cenas fortes, de motoristas completamente bêbados causando tragédias familiares. No entanto, com isso, o que o governo faz é tranferir para a sociedade a culpa pelas mortes no trânsito. A mensagem, em resumo, é a seguinte: "Vocês estão morrendo porque não se comportam. Povo inconsequente!". Nunca veremos campanhas do governo por mais e melhores estradas, como por exemplo: "Enquanto não fizermos a duplicação da BR tal, vocês podem não chegar em casa. Exija estradas decentes!".
Com isso, quero dizer que podemos continuar gastando milhões em campanhas educativas e fiscalização que não iremos melhorar a situação consideravelmente (diferente do que ocorreu em 98). É como encher bola furada: você gasta recursos e esforços continuamente e terá sempre uma bola murcha. Enquanto não tivermos estradas compatíveis com nossa frota e bem geridas, continuaremos morrendo. Sóbrios e educados.
Curiosidade: Como quantificar a melhora com ações de infraestrutura?. Há manuais que apresentam indicadores de redução em acidentes em uma estrada em função de cada medida implantada. Por exemplo, a implantação de sonorizador na marcação central da pista em uma estrada de pista simples reduz, em média, 14% os acidentes e 55% colisões frontais (11). Tais indicadores são obtidos com base em estudos de caso e permitem uma primeira análise de benefício/custo para fins de planejamento.
Referências:
(1) tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/matriz.htm
(2) apps.who.int/gho/data/?vid=51210#
(3) worldlifeexpectancy.com/cause-of-death/road-traffic-accidents/by-country/
(4) cesvibrasil.com.br/seguranca/biblioteca_dados.shtm
(5) vias-seguras.com/os_acidentes/estatisticas/estatisticas_nacionais/estatisticas_do_ministerio_da_saude
(6) denatran.gov.br/frota.htm
(7) dnit.gov.br/plano-nacional-de-viacao/pnv-1994-2009
(8) census.gov/compendia/statab/cats/transportation/motor_vehicle_accidents_and_fatalities.html
(9) economist.com/node/21560309
(10) denatran.gov.br/download/Plano%20Nacional%20de%20Redu%C3%A7%C3%A3o%20de%20Acidentes%20-%20Comite%20-%20Proposta%20Preliminar.pdf
(11) safety.fhwa.dot.gov/tools/crf/

aversãodosfatos
ESPECIALISTA EM GENERALIDADES


